Os Ciganos no conto Zingarêsca
Numa fazenda mineira, de um dia qualquer, a monotonia foi quebrada pela presença dos ciganos. O nome do lugar fora mudado. Antes chamava-s...

Numa fazenda mineira, de um dia qualquer, a monotonia foi quebrada
pela presença dos ciganos. O nome do lugar fora mudado. Antes chamava-se, “Te-Quentes”
mas, agora com Zepaz, o novo proprietário, passou a chamar-se “Rancho Novo”. Naquele
lugar aprazível Zepaz vivia com a “gente da terra” numa monotonia quase
perfeita onde cada um cumpria o seu dever, já visto e previsto por todos.
No Rancho Novo, tudo mudou quando apareceu, por lá, uma caravana de ciganos com sua barulheira, com suas roupas coloridas, seus cavalos e o ideal de vida livre. A fazenda de Zepaz tinha boa pastagem e muita água, lugar ideal para acampamentos de ciganos, boiadeiros e outros andarilhos do sertão. Ao ver a caravana de ciganos Zepaz irritou-se e não queria acolhê-los. Mas, tudo mudou quando soube o motivo daquela presença. Estavam ali, de passagem, para reverenciar a memória de um dos seus que, no passado, perdeu a vida e foi sepultado debaixo da árvore de oiti. Para as rezas já haviam trazido um padre com espórtula paga e tudo mais.
A presença dos ciganos, por três dias e três noites, somadas
à presença de boiadeiros que também apareceram por lá, mudou, completamente, a
rotina do lugar. Tudo se transformou da noite para o dia. O som das músicas, a
dança dos ciganos, o colorido de suas roupas, os apetrechos dos cavalos... Tudo isso, chamou
a atenção dos habitantes locais. Por instantes sentiram inveja daquele povo, alegre, que respirava liberdade. De nada adiantou a censura de Zepaz à sua
mulher, pois volta e meia, ela espiava pela porta gretada a dança e a agitação
dos ciganos.
Após três dias e três noites de burburinho os ciganos partiram
em silêncio durante a madrugada. Um dos boiadeiros presentes roubou a flauta dos ciganos. O padre
levou a cruz de outro boiadeiro cego sem saber que dentro dela ele guardava o dinheiro das esmolas. Assim que os ciganos
partiram Zepaz soube que sua mulher deitara-se com o cigano Vai-e-Volta. Cheio
de cólera começou a espancá-la até que o jogo virasse e, ele acabou apanhando
da própria esposa. Isso acabou arrancando uma declaração icônica do Preto
Mozart: “Só assim, o povo tem divertimento...”
Os ciganos partiram e os boiadeiros também. “Os sons
berrantes encheram o adiante...” A gente da terra voltou à rotina de sempre e
Zepaz agora rezava para que “Vai-e-Volta”, jamais voltasse aquele lugar. Para
que isso, de fato, pudesse acontecer, apanhou um machado disposto a cortar a
árvore alugada por cemitério. Infelizmente é assim: a mulher o traiu e a pobre
oiti pagou o pato!
Esse é o enredo do Conto “Zingarêsca”, de Guimarães Rosa,
registrado no livro “Tutaméia”. Foi o último dos quarenta contos de Tutaméia, publicado na Revista Pulso em 29
de outubro de 1966. Ao lado de outros contos similares (Faraó e a água do rio,
Intruge-se, O outro ou o outro, Vida ensinada ), Rosa mostra-nos duas
realidades distintas: A realidade de um povo nômade e a da gente do lugar.
Nesses contos, como em outros escritos de Guimarães, alguns personagens retornam
com o mesmo nome e mesma missão. Talvez, por causa dessa dança dos personagens em seus textos quis chamá-los de "Corpo de Baile. Se por um lado, temos a gente da terra que convive,
eternamente, com a mesma rotina, os “zíngaros” (nômades) convivem com o adiante.
Têm o adiante sempre à frente dos olhos. “Os sons berrantes encheram o adiante...”
O trabalho dos boiadeiros, por exemplo, é guiado pelo “ponteiro-guieiro” (o que
guia) e alguém que cuida da culatra (que vai na retaguarda). A missão é uma grande travessia...
Ao ler esse conto de Guimarães Rosa, por associação de ideias, lembrei-me da música “Triste Partida”, de Luiz Gonzaga:
Minha vida é andar por
esse país
Pra ver se um dia descanso
feliz
Guardando as recordações
das terras onde passei
Andando pelos sertões e
dos amigos que lá deixei
Chuva e sol, poeira e
carvão
Longe de casa, sigo o
roteiro
Mais uma estação
E alegria no coração
Êh, saudade!
Talvez, os nômades, como os ciganos, entenderam, antes de nós, que nesse mundo todos somos viajantes. Ninguém tem morada fixa. Estamos todos em peregrinação, em travessia, para outra realidade eterna e permanente. “Devagar e manso se desata qualquer enliço, esperar vale mais que entender, janeiro afofa o que dezembro endurece...” (Vida ensinada, de Guimarães Rosa).
Foto: Arquivo Pessoal
A vida é um sopro,uma passagem, aprendamos com nossos irmãos ciganos que caminhamos nesta Terra para um dia chegaremos na morada eterna,nos braços de Deus nosso Pai amoroso. Obrigada Padre Geraldo Gabriel,por nos passar tantos ensinamentos.Um abraço!
ResponderExcluirAula espetacular
ResponderExcluirNesta vida todos somos viajantes,cada etapa da vida é um trecho da estrada que deixamos pra traz, o futuro a Deus pertence, o que precisamos é aprender a viver bem o presente sempre na esperança de um dia descansar nos braços do Cristo que nos inspira a viver na prática do amor, obrigado padre.
ResponderExcluirO texto é muito bom.Viva Rosa,o grande mestre
ResponderExcluirQue conto gostoso de se ler e fácil de entendimento mas o grande escritor Guimarães Rosa é danado nas suas construções de frases, com criações de palavras. Ouvi pessoas e também me incluo, que não acham facil sua leitura, no entanto quando resolvemos saborear com interesse seus escritos, passaremos a ser admiradores incondicional como é o Padre Gabriel, que considera o maior escritor brasileiro.
ResponderExcluirQuanto a vida nomade dos Ciganos e outros, pode parecer ter glamour nesta liberdade mas eu como já experimentei participar de passeio em barraca de acampamento digo com certeza tô fora.
Padre Gabriel sabe como ninguém ler Guimarães!
ResponderExcluirA verdade é que mais do que uma leitura de Guimarães Rosa, o texto nos entrega uma leitura do mundo, da vida em movimento e das marcas que os encontros — por mais breves — deixam na gente. E como diz o velho Rosa, “esperar vale mais que entender”. Mas nesse caso, ler e sentir caminham juntos.
De vez em quando é bom fugir da rotina. Não a ponto de se aventurar num romance relâmpago, ou descontar a raiva em quem não tem nada haver. Viver sem rumo certo, itinerante, pode parecer que o barco está à deriva, mas eu prefiro ficar com os pés em terra firme, admirando o amanhecer e o entardecer.
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