Carvão milagroso

Ao ler o livro “A sós, com Deus”, de Thomas More, fiquei muito impressionado.  O que mais me impressionou foi a serenidade com que ele se comportou mesmo sabendo que estava no corredor da morte. Thomas More foi um grande humanista inglês (1477 -1535), hoje considerado santo e padroeiro dos políticos, pela Igreja Católica. Foi o exemplo do homem reto que não “vendeu a sua alma ao diabo” em troca de privilégios e favores do Rei Henrique VIII. More chegou a ser nomeado para Secretário do Conselho Privado do rei. 

Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão com a qual não teve filhos homens. Catarina teve quatro abortos sucessivos. Em 1516 deu a luz a uma filha e depois disso ficou estéril. Por causa disso e de uma série de interesses ocultos queria que o papa declarasse nulo seu casamento para poder unir-se à Ana Bolena, uma jovem da baixa nobreza. O Papa Clemente VII, naturalmente, não poderia fazer isso apenas para agradar ao rei. Henrique VIII então, após uma série de manobras declarou-se ele mesmo, chefe da Igreja na Inglaterra e passou a desapropriar as terras da igreja, nomear padres e bispos, etc. Foi assim que fundou a Igreja Anglicana. Na época o rei precisava de uma legitimação para suas decisões. Por isso exigiu um juramento de fidelidade dos lordes e bispos. Alguns, não pensaram duas vezes, pois é sempre mais fácil ser amigo do rei e navegar a favor da correnteza. Thomas More, no entanto, recusou-se a prestar o tal juramento de fidelidade ao rei por ver qual era suas verdadeiras intenções. Por causa disso, após um tempo de prisão e um julgamento encenado  acabou sendo preso na torre de Londres onde foi decapitado. Isso aconteceu também com o Bispo e, hoje santo, John Fisher (1469 – 1535).

Enquanto estava na prisão, Thomas More, passou por grandes dificuldades sem reclamar. Até mesmo seus livros foram confiscados. Por causa da total falta de recursos escrevia usando pedaços de carvão em pequenos papéis. Graças ao seu criado John Wood esses escritos chegaram até nós. Para permanecer ao lado do prisioneiro o criado teve que jurar que iria espionar todos os passos dele.  Na prisão More recebia poucas visitas, pois nem mesmo a família concordava com sua fidelidade à própria consciência. No dia de sua morte usou a túnica que lhe fora emprestada pelo criado fiel.

More chama nossa atenção por ter sido um diferencial na sua época. Mesmo ocupando um cargo público não quis se compactuar com o lamaçal da corrupção política. Em nosso tempo sentimos falta de outros “Mores”. Nunca vivemos um período de tanto descrédito na política. Ser político é quase sinônimo de ser corrupto. Mas, as coisas não são bem assim. Em qualquer lugar e em todos os tempos tivemos pessoas honestas e bem intencionadas. O problema é que elas nunca aparecem. O erro é que chama a atenção. 

Transcrevo abaixo, uma carta de More escrita na prisão em 1554 para sua filha Margareth Roper. Essa carta foi escrita com um pedaço de carvão, com objetivo de tranquilizar seus familiares. Em todos os escritos de Thomas More não se percebe rancor ou sentimentos negativos, mas uma profunda serenidade própria daqueles que tem a consciência tranquila pelo dever cumprido.

Minha querida filha,

Agradeçamos a Deus: tenho boa saúde de corpo e bom sossego de ânimo, e das coisas terrenas não desejo senão as que tenho. Suplico-lhe que faça com que vos alegrem todos na esperança do céu. Quanto a todas essas coisas – as do mundo vindouro -, das quais não pouco desejaria falar com todos vós, que o Senhor as ponha nas vossas mentes, como confio que já faz, e muito melhor do que eu, por meio do seu Espírito Santo; que Ele vos abençoe e proteja a todos.

Escrito com um pedaço de carvão pelo teu pai que te ama ternamente, e que nas suas pobres orações não se esquece de nenhum de vós, nem dos vossos pequenos nem das vossas aias, nem dos vossos bons esposos, nem da tão vivaz esposa do teu pai, nem de nenhum dos nossos amigos. Despeço-me agora de todo coração por falta de papel para mais.

Thomas More, Cavaleiro

São Tomás More foi  declarado padroeiro dos governantes e dos políticos por São João Paulo II e cuja memória litúrgica é recordada neste 22 de junho. Peçamos a São Thomás More que abençoe os homens públicos de nosso tempo. Que eles nunca percam de vista a defesa do bem comum e o que representam diante da população. Que nossos políticos vejam o exemplo de quem conseguiu se santificar exercendo um cargo político. More perdeu a vida, mas em compensação entrou para a história e alcançou a honra dos altares. Que seu exemplo ilumine o nosso mundo!