Cegueira

Há quem diga que a cegueira é o destino que espera por todos nós. De alguma maneira, já somos cegos. Se olharmos para a imensidão do un...


Há quem diga que a cegueira é o destino que espera por todos nós. De alguma maneira, já somos cegos. Se olharmos para a imensidão do universo o que podemos enxergar? Quase nada. Diante do espaço infinito tudo que vemos é uma pequena parte. Pobre de quem aposta no poder do olhar para conhecer as pessoas e a realidade. As pessoas são mais complexas que o universo diante de nós. Cada uma é um mundo desconhecido e, se queremos desvendá-lo, sofremos mais do Édipo diante da esfinge. Se nosso olhar existe para nos dar acesso ao mundo, curiosamente, parece ocultar o mesmo de nós. É curioso, mas o olho, às vezes, atrapalha a enxergar. Vou ilustrar essa afirmação com uma história real.

Certa vez, fui procurado por um senhor que havia ficado cego após a velhice. Ele, no entanto, disse-me que não sofria com isso. Pelo contrário, afirmou que somente agora enxergava o que nunca vira antes, como por exemplo a bondade de sua esposa e de seus filhos. Durante a conversa comentou comigo: "olha moço, bebi a vida inteira. Transformei em desgraça a vida de minha família. Nunca vi a extensão do sofrimento que causei em todos da minha casa. Agora, acometido por uma enfermidade, acabei perdendo a visão. Precisei perder a visão para começar a enxergar". Após ouvi-lo lembrei-me da história de S. Paulo no caminho para Damasco quando ele também ficou cego por alguns dias. Em certos momentos, é preciso ficar cego para enxergar um mundo totalmente novo. Os discípulos de Emaús, também padeciam de uma cegueira que só foi curada quando Jesus partiu o pão na hora da ceia.

A mitologia grega mostra-nos algumas histórias de cegueiras muito interessantes. Uma delas é a cegueira de Tirésias que perdeu a visão por ter surpreendido nua, a deusa Minerva. Ouvindo as queixas de Cáriclo, sua mãe, a deusa concedeu-lhe, entretanto, o dom da adivinhação. Tirésias conservou esse dom de enxergar para além das aparências até depois da morte. Foi ele quem ensinou a Ulisses o melhor caminho para Ítaca. Revelou, também, para Édipo seu incesto involuntário. Tirésias perdeu a primeira visão e ganhou uma segunda infinitamente melhor. Por isso seu castigo acabou sendo uma bênção.

Ao saber de sua tragédia, de ter se casado sem saber com a própria mãe, Édipo furou os próprios olhos. A lição nesse caso parece clara. É melhor ser cego do que ver a própria desgraça. No caso da mitologia, a desgraça alheia, também provoca cegueira. É o caso da Medusa. Castigada também por Minerva que não tolerava concorrência com sua beleza, Medusa passou por uma grande mudança. Seus lindos cabelos transformaram-se em serpentes. Qualquer pessoa ou animal, que a encarasse, era imediatamente transformado em estátua de pedra. Apenas Perseu conseguiu enganá-la, pois aproximou-se dela olhando apenas sua imagem refletida no brilho de seu escudo. Assim, sem fitá-la diretamente conseguiu cortar sua cabeça. A cabeça da Medusa que antes poderia matá-lo após ter sido cortada acabou transformando-se em sua aliada. No caso de uma guerra, bastava que ela fosse exibida para os adversários que todos eles se petrificavam, imediatamente.

Não existe nada mais bonito e mais necessário que nossos olhos. Mas, podemos ser traídos por eles. Na convivência social é importante ter o olhar do cego Tirésias. É preciso ver além das aparências. Como dizia o Pequeno Príncipe, "o essencial é invisível aos olhos".

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