Divagações espirituais de John Wu

Acho que agora encontrei o fio da meada sobre o que quero escrever.  Escrever é como pegar um bicho pelo rabo e segurá-lo antes que ...


Acho que agora encontrei o fio da meada sobre o que quero escrever.  Escrever é como pegar um bicho pelo rabo e segurá-lo antes que ele parta e se afaste de nós para sempre. Estou imaginando um bicho, tipo lagarto, ou tatu. Um cachorro, nem de longe, podemos dominá-lo, dessa forma. Às vezes, tento escrever, mas não sei por onde "pegar o bicho". Nesse caso, devo analisar melhor a situação para não levar mordida de graça. 

Fiz amizade com o livro de John Wu – “Para além do Oriente e do Ocidente” - um escritor chinês, que acabou se convertendo ao catolicismo em 1937. Fiquei com vontade de devorar o livro de uma única vez. Mas, em minha vida, já me acostumei com as coisas fatiadas. Leio em conta-gotas, pois sou constantemente interrompido por “coisas mais importantes”. Num determinado capitulo do livro, o autor deixa algumas de suas divagações espirituais que ele escreveu em 1936. Nesse momento ele ainda não havia se encontrado com Deus. Coisa que  vai acontecer, assim que encontrar-se com Cristo. Achei por bem, selecionar alguns fragmentos dessas divagações, para compartilhá-las com meus leitores. Recortei aqui e ali e acabei montando o prato que agora coloco diante de você:

Deus considerado como mãe: 

Deus não é somente nosso Pai, esse Pai temível como o sol de verão, mas é também nossa mãe. Delicado e suave como o sol de inverno, a luz do outono ou um primeiro sopro de primavera. Como podeis saber que Deus é masculino? Nada se opõe a que seja também feminino. Para mim, Deus é minha mãe. E minha vida toda é uma incessante busca por minha mãe.

Tibieza:

Se não amas a Deus com o coração vibrando de alegria, será, talvez, preferível não amá-lO absolutamente; pois a tua hora ainda não chegou. Os sábios de todos os países e de todos os tempos são unânimes em vituperar os mundanos. Designaram-nos por diversos nomes: Cristo chamou-os Fariseus; Confúcio chamou-os enfatuados, Thackeray, “snobs”; e os americanos atuais, “Babbits”. Dante encontrou-os num recanto secreto, logo junto à porta de entrada do inferno. Parece que nem Minos, o juiz infernal os queria perto de si. Como parasitas arrastam sua existência corrompida. “Viveram sem louvores e sem censuras”, não foram nem amigos nem inimigos de Deus, e são por isso repelidos por Deus e por Satan.

O espírito da manhã:

“Basta de ruminar o teu passado”- diz o espírito da manhã. O teu passado é algo que de tempos em tempos tens de expelir fora de ti, se não quiseres sofrer de intoxicação espiritual.  O pão de ontem não satisfaz a tua fome de hoje; nem a água de ontem, a tua sede deste dia.  A aspiração da véspera transforma-se em cinza durante a noite E o otimismo de ontem não te impede de recair no pântano de desespero. Só morrerás uma vez, não há dúvida. Mas, a vida tem de renascer a cada momento; e todos seus valores devem ser conservados por uma vigilante renovação.

Espírito da juventude: 

Glória ao homem que em mim, novo, se ergue. Morra o homem que eu deixei de ser!

Sentido do maravilhoso: 

A ciência transformou o universo num reino de maravilhas. Mas ao mesmo tempo, destruiu em nós o sentido do maravilhoso.

Maravilhas da vida cotidiana:

Semelhante ao ponto de ebulição ( que varia conforme a pressão atmosférica), também a alegria é relativa. Certos acontecimentos passariam despercebidos se circunstancias piores não os tivessem precedido. Para sermos felizes em todas as condições da vida, devemos lembrar-nos sempre dos dias mais sombrio. Do contrário, a felicidade começa a parecer-nos uma coisa vaga e distante, pairando ao longe acima do horizonte. Só depois de termos passado por uma doença é que avaliamos com todas as fibras de nosso corpo a grande alegria que existe numa saúde normal.

Comentário de Chesterton:

A única maneira de se regozijar até com a  erva daninha, é sentir-se indigno mesmo dessa erva. Isso também é verdade com relação a nossos amigos, nossos livros, nossa esposa, nossos filhos ; e a tudo quanto Deus nos deu.

Festa da vida:

Uma vida bem realizada é um grande feixe de pequenas gentilezas. Mas, o trágico é que a menor gentileza custa tanto!  Enquanto todos os teus filhos não estiverem tão bem alimentados quanto eu, meu coração há de permanecer faminto, embora o corpo esteja satisfeito.

Arte de viver:

Como diz Goethe: “A vida é uma jazida da qual temos que extrair o material para esculpir nosso caráter”.  A arte de viver é mais difícil que a natação, o equilíbrio no arame... e, no entanto, toda gente pensa que pode praticar  arte tão difícil sem autodisciplina e sem cultura própria. É por isso, que encontramos na vida tantos amadores inábeis.

Suicídio: 

Suicidar-se é o mesmo que quebrar o piano porque não conseguimos tocar convenientemente. É, pois, levar a vida por demais a sério.

Egoísmo

É um desperdício, é um luxo gasto com alguém que não o merece! 

Amizade: 

A amizade é uma recíproca dependência, baseada sobre a mútua independência.

Vida humana: 

A vida humana, como observou Lichtenberg, divide-se em duas metades. Na primeira, a gente olha para frente, com os olhos fixos na segunda. Na segunda, a gente se volta para contemplar a primeira.

Outros temas ainda são contemplados nas divagações espirituais do autor. Ele fala também sobre o ocidente e o oriente, a lua, o chá e o café, sobre o pensamento e a civilização. Mas, por ora, basta. O autor é sábio e profundo. Por isso, ainda voltarei a falar sobre sua obra.

Obs: John C. H. Wu (Wu Ching-hsiung) - nasceu em  Ningpo, China, em 1899.

Imagem de Hong Zhang por Pixabay 

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